ASPECTOS HISTÓRICOS DO MUNICÍPIO

Os primeiros habitantes

Os primeiros habitantes da região foram os índios carijós, subgrupo guarani. Eles eram nômades e caçadores-coletores.

Mais tarde, abandonaram a vida nômada, passando a construir grandes cabanas para abrigar os membros da mesma família, viver da pesca e da agricultura e produzir objetos de pedra e cerâmica (Figura 1).

A partir do século XVI, passariam a ser caçados como escravos pelos bandeirantes que desciam para o Sul. Suas aldeias seriam arrasadas. Os sobreviventes fugiriam para a margem direita do Rio Uruguai, onde catequisados pelos jesuítas espanhóis dariam origem às sete reduções ou Sete Povos das Missões.

Figura 1 – Os primeiros habitantes da região.

Fonte: http://25rt.com.br/a-influencia-indigena-na-cultura-gaucha.

A Península Ibérica no Século XV

Em 1453, a cidade de Constantinopla, atual Istambul na Turquia, então capital do Império Bizantino, foi tomada pelos muçulmanos otomanos, fato que assinalou o início da Idade Moderna. O evento obrigou as potências comerciais europeias a procurar uma nova rota para o Extremo Oriente, impulsionando a Era dos Descobrimentos.

No final do século XV, havia uma disputa entre o Reino de Portugal e a Coroa de Castela em relação à divisão de terras até então descobertas e ainda por descobrir, provavelmente ilhas, como acreditavam. Ambos os reinos da Península Ibérica (Figura 2) lideravam as expedições marítimas. Portugal tomara posse das ilhas dos Açores e da Madeira e da cidade africana de Ceuta e continuava a avançar com suas navegações pela costa Oeste da África em direção ao Sul. Castela, por sua vez, rumava para o Leste, em direção ao futuro continente americano, que seria descoberto em 1492 por Cristovão Colombo, acreditando ter chegado às Índias.

O navegador genovês, na verdade, chegara às Ilhas Caraíbas, nas Antilhas, com uma expedição patrocinada pelos reis católicos Fernando de Aragão e Isabel de Castela, coroas que, após unificadas, deram origem à Espanha. Ele tentara por duas ocasiões o apoio do rei português D. João II, sem sucesso devido ao elevado risco da aventura e ao interesse dos portugueses em chegar à Índia por uma rota contornando à África.

Figura 2 – A Península Ibérica no Século XV.

Fonte: Wikipedia

O Tratado de Tordesilhas

Para solucionar o impasse entre os dois reinos da Península Ibérica pela divisão de terras, vários tratados foram firmados. Entre eles, o Tratado de Tordesilhas, assinado entre João II de Portugal e Fernando II de Aragão em 1494, dois anos após a descoberta da América (Figura 3).

Por esse tratado, o mundo foi dividindo entre os dois reinos ibéricos a partir de uma linha de demarcação imaginária: o meridiano 370 léguas a oeste da ilha de Santo Antão no arquipélago de Cabo Verde. Dessa forma, as terras a leste desse meridiano, lado oriental, pertenciam à Coroa Portuguesa, enquanto os territórios a oeste, lado ocidental, à Castela (Figura 4).

Foi assim que coube a Portugal o direito de posse sobre a faixa de terra descoberta por Cabral seis anos mais tarde. Alguns historiadores, inclusive, defendem a tese de que o rei D. João II já possuía conhecimento sobre a existência de terras ao sul do território descoberto por Cristovão Colombo há apenas dois anos.

De acordo com o Tratado de Tordesilhas, a linha imaginária de divisão de terras no território onde mais tarde seria o Brasil, começava na atual cidade de Belém no Pará e descia em linha reta até perto de Laguna, em Santa Catarina, onde inclusive, existe hoje um monumento em homenagem a esse marco geográfico.

Dessa forma, todas as terras situadas à Oeste dessa linha seriam da Espanha e a leste pertenceriam a Portugal, causando ao longo dos anos seguintes rivalidades crescentes entre os dois reinos por causa dos limites das colônias sul-americanas.

Com o passar do tempo, na prática, o tratado de Tordesilhas não era mais respeitado por ambos os lados. Aos poucos, os portugueses começaram a invadir o território espanhol fragilizado nas suas defesas por ser muito extenso.

Nesse cenário, tornara-se muito relevante para Portugal a conquista do extremo sul, além Tordesilhas, de posse e domínio da Espanha. A ordem da Coroa era descer e se apossar das terras disponíveis.

Em 1680, Portugal, funda a Colônia do Sacramento, à margem esquerda do Rio da Prata, em território espanhol, bem em frente à Buenos Aires. Para frear aos avanços da Coroa Portuguesa, os espanhóis fundam os Sete Povos das Missões (1682).

Figura 3 – Tratado de Tordesilhas.

Fonte: Biblioteca Nacional de Lisboa. Wikimedia.

Imagem de domínio público.

 

Figura 4 – Planisfério de Cantino (1502). Uma das mais antigas cartas náuticas que representam os descobrimentos marítimos portugueses e onde pode ser visto a divisão do mundo entre Portugal e Castela. O seu original conserva-se, atualmente, na Biblioteca Biblioteca Estense, em Módena, na Itália. 

A chegada dos tropeiros e a instalação do Curral da Contagem

O avanço meridional dos portugueses fez com que, por volta de 1700, os tropeiros (Figura 5), homens que conduziam as tropas de mulas e burros para o transporte de cargas em São Paulo e para o ciclo de outro de Minas Gerais, começassem a vir para o Sul do Brasil em busca do gado xucro, grandes rebanhos procriados livremente nos campos. Conforme descreve Araújo (2020), os tropeiros criavam trilhas, que posteriormente originaram estradas, construíam ranchos e “igrejinhas”, com o surgimento de comunidades ao seu redor.

Segundo Barros (2020b), na época do Período Colonial, o Rio Grande do Sul consistia numa estreita faixa de terra entre Laguna e Sacramento. O deslocamento dos tropeiros para o sul, a partir dos trilhos das tropas de mulas e fugindo das barreiras do litoral inóspito (Estrada da Laguna), deram origem a outros caminhos como o Caminho do Sertão, nos Campos de Viamão, onde foi instalado o Registro da Guarda Velha (Registro da Patrulha) por volta de 1734, assim como promoveu a fixação de povoadores, originando núcleos de povoamento e conquistando territórios pertencentes à Espanha para a Coroa Portuguesa.

A partir das primeiras décadas do século XVIII, os tropeiros de Laguna vieram também para a região, mudando-se com suas famílias. À medida em que eles legalizavam as suas terras, iam transformando-se em estancieiros.

Em 1732, ocorreu a doação da primeira sesmaria – terreno abandonado doado à população – à Manoel Gonçalves Ribeiro, denominada Estância da Concha.

Dois anos mais tarde, Cristovão de Abreu, a mando da Corte Portuguesa com a finalidade de encurtar a distância que ligava a região Sul à Sorocaba em São Paulo, começa a abrir um novo caminho, a Estrada dos Tropeiros ou Estrada Real. Esse trajeto partia de Viamão, passava pelo território onde hoje localiza-se Santo Antônio da Patrulha, seguindo pelo vale do Rio Rolante e subindo a serra até encontrar-se com a estrada dos Conventos, que do vale do Rio Araranguá se dirigia para Curitiba e São Paulo.

Com a nova estrada, surgiu a necessidade de registrar as pessoas e as tropas que deslocavam do Rio Grande do Sul para o centro do país, além de efetuar a prisão de desertores. Com essa finalidade, foi instalado o “Curral da Contagem” em 1737 num local distante 5 km do atual centro da cidade de Santo Antônio da Patrulha. Logo, o local passa também ao recolhimento de impostos sobre o gado e mercadorias dos tropeiros e viajantes.

Em 1743, começaram a ser distribuídas sesmarias aos paulistas e lagunistas que chegavam na região e iniciadas a criação de rebanhos bovinos e equinos no litoral norte. Nessa época, ocorrem as migrações dos açorianos da freguesia de Laguna e, pouco depois, da freguesia de Rio Grande, esses últimos para escapar da invasão espanhola (1763-1777).

Figura 5 – Rotas e cidades que surgiram do movimento dos tropeiros no Sul do Brasil.

Fonte: https://www-storia.blogspot.com/2019/09/tropeiros-no-brasil.html

O Tratado de Madrid

Importante destacar que, nesse interim (1750), para solucionar as disputas cada vez mais acirradas e conflitos armados entre os dois reinos da Península Ibérica é firmado um novo tratado na capital espanhola, denominado Tratado de Madrid entre os reis João V de Portugal e Fernando VI de Espanha. O Tratado de Madrid, diferentemente de uma referência imaginária, como acontecera anteriormente, utilizava acidentes geográficos como rios e montanhas para demarcar os novos limites de divisão de terras entre as duas maiores potências mundiais na expansão marítimo-comercial da Europa.

Por meio do Tratado de Madrid, a Colônia do Sacramento voltou para o domínio da Espanha em troca do território dos Sete Povos das Missões que passou a ser de Portugal, bem como outros territórios que até então não pertenciam aos portugueses, entre eles o atual Mato Grosso do Sul.

O fim do conflito de terras entre as Coroas de Portugal e Espanha ocorreu apenas em 1801 com o Tratado de Badajós.

Ignácio e Margarida, considerados os fundadores da cidade

Enquanto isso, a movimentação no Curral da Contagem tornou-se intensa, levando à convocação de um destacamento de soldados da Guarda Velha de Viamão para patrulhar a região e garantir o pagamento do imposto.

Em 1753, o pequeno povoado então existente passa a ser denominado Guarda Velha de Viamão, sendo habitado por portugueses, espanhóis, negros e índios guarani escravizados.

Entre os que chegavam para compor o destacamento que patrulhava a região do registro, estava o pardo-forro paulista Ignácio José de Mendonça, que mais tarde (1755), conseguiria uma sesmaria, no lugar onde hoje está localizado o bairro Cidade Alta, Centro Histórico de Santo Antônio da Patrulha.

Ignácio era casado, mas por volta de 1755 ficou viúvo. Conheceu então Margarida Exaltação da Cruz, filha de mãe escrava e pai açoriano, grande proprietário de terras na Lagoa dos Barros. Apaixonaram-se e viveram um romance folhetinesco e agitado para a época, porque o pai de Margarida, Manoel de Barros Pereira (o mesmo que deu seu nome à Lagoa dos Barros), era radicalmente contra a união.

Contudo, numa história que envolveu direito canônico e uma grande paixão, mesmo com a elevada diferença de idade (Ignácio tenha 50 anos e Margarida apenas 15) e sem o consentimento do pai da noiva, casaram-se, graças ao apoio do Padre da Igreja Matriz de Viamão.

Foi então, diz a história, que a pedido do bispo do Rio de Janeiro, Dom Frei Antônio, o casal mandou construir, numa das áreas mais elevadas da sua propriedade, uma pequena capela em homenagem ao santo de sua devoção, Santo Antônio. Atualmente, no local, encontra-se a Pira da Pátria, na avenida Borges de Medeiros.

A construção foi inaugurada em 1760, recebendo a denominação de Capela Curada de Santo Antônio da Velha Guarda de Viamão, transformada em paróquia três anos mais tarde. No mesmo ano, o povoado é elevado à condição de Freguesia. No entorno da capela, começa, então, uma vida administrativa e social.

Um dos quatro municípios mais antigo do RS

Em 1771, o Governador da Capitania recebeu ordens de assentar 28 casais açorianos no povoado que tem definido o seu primeiro núcleo, o atual bairro Cidade Alta.

Ao nascer do século XIX, Portugal conquista as missões e consolida seu domínio no Rio Grande de São Pedro. Começa a divisão político – administrativo do território em municípios.

Em 7 de outubro de 1809, através da Provisão Real, D. João como Príncipe Regente resolveu dividir e criar quatro grandes municípios na capitania do Rio Grande de São Pedro (Figura 6). Santo Antônio da Patrulha, Porto Alegre, Rio Grande e Rio Pardo são escolhidos para formar as primeiras sedes de vilas da Capitania, já que eram as maiores povoações do Estado. Santo Antônio passa, então, da condição freguesia para vila.

Em 3 de abril de 1811 é instalada a Câmara de Vereadores, oficializando o município de Santo Antônio da Patrulha com uma área que abrangia todo o pé da serra, distritos serranos e litorâneos. Portanto, o município recebeu essa denominação, conforme descrito anteriormente, em função das patrulhas instaladas em seu território objetivando a cobrança de impostos para a Coroa.

            A partir da segunda metade do Século XIX, de acordo com Lauck (2010), Santo Antônio passa a sofrer uma redução da sua área territorial devido aos movimentos emancipacionistas, tornando-o “célula-mater” da região nordeste do Estado do Rio Grande do Sul, de onde descendem 77 municípios, conforme pode ser visto no Anexo 1 que traz a Genealogia dos Municípios Originários de Santo Antônio da Patrulha (Barroso, 2020).

Segundo Neis (1975) a história do município evidencia alguns ciclos importantes em sua trajetória:

  • “O ciclo da cana-de-açúcar, quando mais de 6 mil hectares baseiam a produção que serve de sustentação à AGASA;
  • O ciclo do arroz que transforma a lavoura e gera a criação de cooperativas que auxiliam os produtores na armazenagem e comercialização do produto;
  • O ciclo do turismo de passagem considerando a privilegiada localização entre Porto Alegre e o Litoral Norte do Estado;
  • O ciclo metal-mecânico com a implantação de indústrias de médio e grande porte; o ciclo do calçado com o surgimento de várias fábricas de sapato e, atualmente, a diversidade econômica e cultural que sinaliza o início de uma nova era no desenvolvimento local.”

 

Aspectos da história da AGASA, Açúcar Gaúcho S/A, encontramos detalhadamente em Barroso (2006). Já uma análise sobre os efeitos nocivos do plantio da cana-de-açúcar no meio ambiente no município como desmatamento, assoreamento dos rios, abandono da policultura que deu lugar à monocultura, contaminação dos mananciais hídricos e desgaste do solo, com posterior êxodo rural, pode ser vista em Brito (2011). A Figura 8 mostra uma vista parcial antiga avenida Borges de Medeiros.

Figura 6 – Província de São Pedro do Rio Grande do Sul (1822).

Fonte: IHGRGS (2021)

 

Figura 7 – Avenida Borges de Medeiros no início do século XX, Santo Antônio da Patrulha.

Fonte: Acervo do Museu Caldas Júnior

Santo Antônio da Patrulha na atualidade

Conforme IBGE (2021), o município apresenta hoje uma área territorial de 1.049,583 km², população estimada de 43.397 pessoas (2021) e Índice de Desenvolvimento Humano Municipal de 0,717 (2010). Seu PIB per capita (2018) é de R$ 29.889,95, estando na 1301ª. posição entre 5570 municípios brasileiros e 275ª posição entre os 497 municípios gaúchos.

A economia é diversificada, baseada no setor agropecuário, na indústria metalmecânica e no setor alimentício. Esse voltado especialmente para a produção de produtos naturais derivados do melado, como a rapadura, comercializada em várias regiões do país. Conforme PMSAP (2021b), beneficiada pelos modais rodoviários estratégicos, a cidade encontra-se hoje no centro das atenções dos novos investimentos que chegam ao Estado, sobretudo, no que diz respeito à logística de produção, escoamento e descentralização de expansão industrial.

Por outro lado, tem recebido importantes empreendimentos na área da hotelaria, gastronomia e modernos complexos comerciais, além de inúmeros loteamentos que expandem continuamente a área urbana.

O município conta também com a presença de um Campus regional da Universidade Federal do Rio Grande (FURG) desde 2009 (Campus FURG-SAP), onde são oferecimentos de cursos de graduação e pós-graduação voltados às áreas de Ciências Exatas, Engenharia e Administração e de um Polo da Universidade Aberta do Brasil, Polo Universitário Santo Antônio, que oferece graduações na modalidade à distância desde 2007.

Referências Bibliográficas

ARAÚJO, J. B. Rua Edmundo Saft no Caminho das tropas. In: Raízes de Santo Antônio da Patrulha: 30 anos. Barroso, V.L. M.; Lauck, F. R. ed. Evangraf. Porto Alegre. 2020. 880p.

BARROSO, V. L. O tropeirismo na formação do Rio Grande do Sul: o tempo colonial. In: Raízes de Santo Antônio da Patrulha: 30 anos. Barroso, V.L. M., L. Ferando R. ed. Evangraf. Porto Alegre. 2020b. 880p.

BARROSO, V. L. Trajetória do Raízes: registros de memória e história: trinta encontros dos municípios originários de Santo Antônio da Patrulha e Quatro Raizinhas (1990-2020). In: Raízes de Santo Antônio da Patrulha: 30 anos. Barroso, V.L. M.; Lauck, F.R. ed. Evangraf. Porto Alegre. 2020. 880p.

BRITO, R. Influência do açúcar gaúcho S/A (Agasa), na evolução da história agrária da região de Ribeirão, primeiro distrito de Santo Antônio da Patrulha/RS. Trabalho de conclusão submetido ao Curso de Graduação Tecnológica em Planejamento e Gestão para o Desenvolvimento Rural – PLAGEDER, da Faculdade de Ciências Econômicas da UFRGS. 2011. Disponível em:< https://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/52355/000820129.pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acessado em: 5 de dez de 2021. 

IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Cidades e Estados. Santo Antônio da Patrulha.2021. Disponível em:< https://www.ibge.gov.br/cidades-e-estados/rs/santo-antonio-da-patrulha.html>. Acessado em: 5 de dez de 2021.

LAUCK, F.  Santo Antônio da Patrulha – O Município Nordeste na Formação do Rio Grande do Sul. 2010. Disponível em: http://www.santoantoniodapatrulha.rs.gov.br/pmsap/historia-do-municipio. Acessado em: 10 jan. 2022.

NEIS, R. Guarda Velha de Viamão. Ed. Sulina. 182p. 1975.